«Recebi 200 mil dólares de Frank Sturgis ( espião a soldo da CIA) para fabricar a bomba incendiária colocada no avião em que Sá Carneiro viajou. O encontro teve lugar num iate ao largo de Cascais», referiu José Esteves, o eterno suspeito de Camarate, no lançamento do livro «Sá Carmeiro e as Armas para o Irão» da autoria do jornalista Frederico Duarte Carvalho que teve lugar ontem, sexta feira, em Lisboa.
A sessão contou com a presença de Jim Hunt, sobrinho de Frank Sturgis, o homem dado como sendo o intermediário da CIA que tinha por missão contratar os operacionais para o atentado que vitimou o então primeiro ministro e o ministro da Defesa. Reportando-se a documentos que descobriu na posse do tio, Hunt não descarta a possibilidade do envolvimento de Sturgis nos acontecimentos que tiveram lugar há 32 anos atrás em Camarate. Convicção que se tornou mais credível ao visitar esta semana na prisão Fernando Farinha Simões, um dos outros suspeitos que divulgou recentemente uma confissão sobre o seu envolvimento no incidente e na qual refere ter sido ele também «contratado» por Sturgis para executar o crime. Jim Hunt lembrou a vida de «guerreiro» do tio ( este foi o nome que ele deu a um livro que escreveu sobre a vida do seu familiar), desde o apoio à guerrilha de Fidel Castro em Cuba, ao volte face ideológico que o levou a conspirar o assassínio do carismático líder cubano, as suspeitas de ligação ao grupo que executou o presidente John Kennedy e, posteriormente, ter integrado o duo de agentes da CIA que tomou de assalto o edifício Watergate e que resultou na queda de Nixon.
O livro de Frederico Carvalho publica duas foto documentando a presença de Sturgis em Portugal.Numa das quais,em 1977, na varanda do hotel Ritz.Numa outra, datada de 1981,o «espião americano participa num encontro com Daniel Chipenda, na altura, a militar na FNLA,preparatório de um outro com Fernando Farinha Simões e que teve o objectivo preparar um golpe de Estado em Angola. Operação Kubango, assim se chamava essa operação que teria por finalidade distanciar Angola da órbita soviético/cubana. Mais tarde, a mando do embaixador Carlucci ( o «patrão» da CIA em Portugal, é assim que F. Simões o caracteriza)), Sturgis terá contratado José Esteves e Farinha Simões para executar o atentado que vitimou Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Os dois governantes estavam na posse de dossiers comprometedores sobre o envolvimento de personalidades portuguesas no tráfico de armas para o Irão ( tráfico que era financiado pelo chamado Fundo de Desenvolvimento do Ultramar, um «saco azul» criado durante a guerra colonial) e isso incomodava os «falcões» da administração americana.
Frederico Duarte Carvalho apontou os motivos que o levaram a escrever a obra, onde levanta uma nova questão: afinal, o atentado visava Sá Carneiro e não, como a principio se conjecturou, o seu ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, que levava documentos numa pasta contendo dados sobre as armas que iriam ser vendidas e os nomes de empresários e militares portugueses envolvidos : «Comecei a investigar Camarate no dia 5 de Dezembro de 1980. Para os mais atentos, isso pode parecer estranho, visto que, como nasci em 1972, tinha então 8 anos. Mas, lembro-me que no dia seguinte à tragédia de Camarate fiquei a saber a minha primeira grande informação: o primeiro-ministro Sá Carneiro e ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, juntamente com Snu Abecassis, Manuela Amaro da Costa e António Patrício Gouveia, afinal, não precisavam de viajar no Cessna pilotado por Jorge Albuquerque e Alfredo Sousa. Nem sequer no avião comercial da TAP, como ainda hoje garantem as biografias do antigo primeiro-ministro. Podiam ter viajado no avião da empresa portuense Refinarias de Açúcar Reunidas (RAR), que tinha ido de propósito do Porto a Lisboa para transportar o primeiro-ministro e comitiva ao comício no Coliseu da Invicta. O piloto do avião da RAR, Inácio Passos, era pai do meu melhor amigo de escola e, no dia seguinte a Camarate, no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, na sala da quarta classe, a turma inteira rezou uma “Avé-Maria” por o pai do nosso colega não ter morrido em Camarate. Esse foi o momento em que aquela informação ficaria para sempre gravada na minha memória de jovem aspirante a jornalista. Como tinha 8 anos, não dispunha de muitos meios ou capacidade para investigar. Confiei nos jornalistas mais velhos. Entretanto, estive a crescer e a aprender. Em finais 1986, o meu pai ofereceu-me uma assinatura da revista “Time”, no auge do escândalo do “Irão-Contra”, onde o nome de Portugal surgia associado ao negócio de tráfico de armas entre os EUA e o Irão. Voltei a confiar nos jornalistas mais velhos para me manterem informado como cidadão livre. Fui depois estudar na Escola Superior de Jornalismo do Porto e estagiei no diário “O Primeiro de Janeiro”, onde estive entre 1992 e 1994, tendo obtido, finalmente, o cartão de jornalista profissional. Em 1995, quando o caso de Camarate estava prestes a prescrever, entrevistei Inácio Passos quando este desmentiu a antiga secretária de Sá Carneiro, Conceição Monteiro, que, na TVI, garantira que o avião da RAR não estava estacionado ao lado do Cessna de Camarate. Após aquele episódio, fiquei com a sensação de que, talvez, tivesse andado demasiado tempo a confiar nos jornalistas mais velhos. Em 2000, viajei a Viena, onde entrevistei um alegado ex-agente da CIA, Oswald Le Winter, que me contou que Camarate poderia ter origem num negócio de tráfico de armas para o Irão, durante a crise dos reféns detidos na embaixada dos EUA, em Teerão, desde o dia 4 de Novembro de 1979. E isso era ainda um segredo…».