«Deus castigou David com a morte do filho, para o obrigar a afastar-se do pecado e a voltar ao caminho dos justos» – podia ler-se na página da Bíblia deixada aberta por Kate no apartamento onde a filha desapareceu e que intrigou a PJ.
A Polícia Judiciária – ou pelo menos,a brigada de Portimão que investigou o caso e que teve como figura mais mediática o inspector Gonçalo Amaral,alvo de uma campanha torpe que conduziu ao seu afastamento da Polícia depois de ter chegado a conclusões comprometedoras para os pais da menina – não tem dúvidas que a pequena Maddie, a menina inglesa desaparecida do Ocean Club, em 3 de Maio de 2007, está morta. Só os grandes poderes que se movimentaram na esfera da diplomacia e da política – e que incluíram uma visita «mistério» a Portugal do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown – justificam que a investigação não tenha comprometido, de forma mais consistente, os pais da criança, que chegaram a ser constituídos arguidos depois de se terem recusado a responder a questões que a Polícia considerou de interesse para a descoberta da verdade. Esta é a convicção expressa pelo inspector-chefe Gonçalo Amaral ao autor deste blogue baseando-se nos seguintes indícios:
a) O primeiro, pouco explorado mas que foi publicado no semanário «Privado» (foi esse aliás o grande tema de capa do primeiro número de um jornal de vida efémera) cingiu-se ao desaparecimento do apartamento de uma manta habitualmente usada por Maddie. A Polícia chegou a fotografá-la na altura em que os pais deram o alarme. Surgiram suspeitas que a manta possa ter sido usada como mortalha numa cerimónia fúnebre, provavelmente realizada na Igreja da Luz, da qual, estranhamente, os pais ficaram em poder da respectiva chave tendo entrado no templo por inúmeras vezes, dizem eles, para rezar.
Referiu-nos Gonçalo Amaral: «A criança em causa, como tantas outras da sua idade, dormia com uma determinada manta e um boneco. Na entrevista que Oprah Winfrey fez a Kate, a entrevistadora interpelou a mãe de Maddie dizendo que sabia que ela se preocupava com a dúvida se o raptor a tapava com a «manta dela». Até aqui nada de especial. Agora repare, aparentemente, a manta usada pela criança ficou para trás, aquando do seu desaparecimento. Existe documentação que prova que não foi levada com ela, não sendo conhecido nenhum testemunho que afirme tê-la visto quando era transportada ao colo por um homem. O que se pergunta é o seguinte: foi uma gaffe da entrevistadora? A «manta dela» foi a que ficou para trás? Como é que voltou para o apartamento? São perguntas destas que têm de ter uma resposta e podem ser indiciadoras de algo de errado, no mínimo».
b) O «cuddle cat» ( peluche de Maddie que Kate usava nas suas aparições públicas) chegou a ser sinalizado positivamente com cheiro de cadáver pelos cães pisteiros que vieram para Portugal – os mesmos que detectaram o mesmo odor a cadáver no apartamento do Ocean Club, principalmente por detrás do sofá e nos cortinados. Relata Gonçalo Amaral que o boneco foi lavado antes de os cães chegarem a Portugal.
c) A morte poderá ter ocorrido como consequência de um trágico acidente, dado existirem indícios de negligência na guarda e segurança dos filhos. A este respeito, a Polícia detectou aspectos contraditórios nas declarações prestadas pelo grupo de nove amigos, entre os quais, Kate e Gerry, que jantavam no restaurante Tapas, no Ocean Club, e que não tinham uma visão aberta para o apartamento onde a menina e os irmãos se encontravam. Segundo o testemunho dos empregados de mesa, só dois homens do grupo se levantaram, praticamente em simultâneo. Um deles foi Russell O’Brien, médico, que se ausentou durante praticamente todo o tempo, tendo regressado ao seu lugar cinco minutos antes de Kate se deslocar ao apartamento e alertar para o desaparecimento de Maddie. Russel explicou que a sua filha estava doente e que tinha «vomitado na roupa da cama». Facto que foi contraditado por uma funcionária do aparthotel que declarou que os ocupantes daquele apartamento nunca pediram uma muda de roupa à governanta. Outra contradição do casal Russell: Jane, a mulher do médico, referiu ter visto um homem na rua do Ocean Club a transportar uma criança ao colo. Um irlandês que estava no mesmo local e à mesma hora, declarou à PJ que não viu passar ninguém.
d) Uma funcionária disse à Polícia que por volta das 3 horas da manhã os pais de Madeleine pediram a presença de um padre no apartamento, não explicando os motivos do pedido. Foi-lhes explicado que àquela hora da noite era difícil satisfazer essa solicitação. Gerald, o pai de Maddie, sustentou que «não foi ele quem pediu um padre, mas sim Kate, para buscar ajuda espiritual». Um relatório da PJ refere que, «por questões de aconselhamento e apoio, os pais solicitaram a presença de um padre, cerca das duas, três horas da madrugada», facto que foi corroborado por um elemento da GNR.O próprio padre referiu à PJ que devido às suas tarefas religiosas e à falta de disponibilidade do casal, só foi possível marcar esse encontro para sábado, dia 5 de Maio. No entanto, uma responsável do hotel assegurou que «no dia seguinte, 4 de Maio, os pais de Maddie estavam acompanhados de familiares que se deslocaram a Portugal e pelo padre local». O relatório final da polícia, reconhecendo a ligação do pároco ao casal McCann, sustenta que o padre nada adiantou de relevante para a investigação. Interligado ou não a este acontecimento indiciador de expiação de uma culpa, os investigadores descobriram na mesa de cabeceira de Kate, no apartamento que ocupou no Ocean Club, uma Bíblia aberta no Antigo Testamento, narrando a morte do filho do Rei David («Deus castigou David com a morte do filho, para o obrigar a afastar-se do pecado e a voltar ao caminho dos justos»)…
e) Mas existem outras suspeitas de que o cadáver de Maddie possa ter sido ocultado. Na Renault Scénic alugada pelo casal McCann em 27 de Maio, o odor a cadáver foi detectado pelos cães pisteiros. Foi descoberta uma amostra muito reduzida de um fluido humano na traseira do carro e de cabelos compatíveis com o perfil genético de Maddie. Analisado esse elemento num laboratório em Birmingham, apurou-se que o ADN do mesmo não permitia garantir uma correspondência a 100 % com o perfil genético da pequena desaparecida
Faz precisamente quatro anos que o mistério persiste. Documentos revelados pelo site Wikileaks , que pôs a nu dados comprometedores da diplomacia americana e não só… confirmam a tese expandida por Gonçalo Amaral : a polícia britânica terá obtido provas contra os pais de Maddie baseadas, principalmente, nos indícios obtidos com recurso aos cães pisteiros. O tema veio à baila no decorrer de um encontro que teve lugar em 21 Setembro de 2007 entre o embaixador do Reino Unido em Lisboa, Alexandre Wykeham Ellis, com o seu homólogo norte-americano em Portugal, Alfred Hoffman. Num telegrama que este enviou para Washington agora revelado pelo site de Julian Assange, o embaixador garantiu que Wykeham admitira que a polícia inglesa tinha desenvolvido as provas contra os pais McCann. «As autoridades dos dois países (Portugal e o Reino Unido) estavam a cooperar», escreveu o embaixador no telegrama descrito como «confidencial». O diplomata britânico admitiu ao seu homólogo norte-americano que a atenção da imprensa era esperada e «aceitável» desde que os «oficiais do governo, mantivessem os seus comentários à porta fechada». E assim se fez. De silêncio em silêncio, de portas em portas fechadas, até ao arquivamento total, como é prática recorrente do desenvolvimento de casos mais complicados e onde as mais altas esferas se envolvem. «Talvez essa divulgação pela Wikileaks possa fazer com que o processo seja reaberto e sejam divulgados, por exemplo, os registos por satélite obtidos pelos serviços secretos dos EUA mostrando quem levou o cadáver da menina para a praia», sustenta Gonçalo Amaral, convicto que este «rapto» ( ou assassínio) transformado em segredo de Estado possa, finalmente, conhecer desenvolvimentos futuros, numa altura em que completam cinco anos após o desaparecimento da criança. Haja vontade política!